Januário, Zé, Eu e o Trem

Estrela inativaEstrela inativaEstrela inativaEstrela inativaEstrela inativa
 

Moça com trem artístico
(contos para rir)

Já eram vinte e três horas, mas eu cheguei a tempo de entrar no último trem.

O trem estava lotado e lá estava eu, colado nos dois nordestinos que conversavam alto, indiferentes ao calor, aperto e cheiros que exalavam de flatulentos;  suas vozes pareciam combinar com o balançar do trem, era até divertido ouvi-los, até que Januário disse ao Zé que viu dona Maria subir na Mula de seu Bertulino.

E Zé cuspindo novamente em mim respondeu: “Você tá bufado. Mãe só sobe na mula do pai.”.

E Januário parecendo contrariado disse: “Tá me chamando de mentiroso?”.

Eu queria me afastar um pouco, inicialmente preocupado com as salivas voadoras, mas não conseguia, pois o ambiente estava realmente apertado com tantos passageiros e tive que presenciar bem próximo os ânimos exaltados dos interlocutores.

Quando Zé disse: E tu tá chamando a minha mainha de quenga? 

Ainda havia iluminação no interior do vagão quando Januário respondeu: “Tu intenda do jeito que quisé.”.

Tive realmente um mau pressentimento quando vi o Zé puxar aquela peixeira e falar bem lento: “Vô ranca essa tua orelha de jegue agora seu cabra da peste.”.

A luz acabou e houve um silêncio, um derradeiro momento de esperança de que o que estava para acontecer, não aconteceria. Penso que todos aguardávamos um bom desfecho para aquela noite, pois estávamos no mesmo barco, digo, no mesmo trem.

Mas indo contra todas as expectativas daquela escuridão, Januário violentou aquele santo silêncio com esta simples afirmativa: “Também to com meu facão.”.

Senti o vento de um dos facões brandindo próximo de mim, mas o empurra, empurra começou mesmo foi com tilintar das Peixeiras.

E em meio à gritaria, sem enxergar nada, tentava salvar a minha própria vida, quando o Zé afirmou, antecedendo um novo silêncio: “Ranquei tua orelha.”.

E Januário só parou para responder: “num foi a minha não.”.

Trim, teem, tin e tim... E eu só sentia o ventar daqueles gládios nordestinos, enquanto digladiavam-se aqueles dois guerreiros da meia noite.

Agarrei o beiço de algum passageiro, num ato involuntário de equilíbrio e sleep, alguém havia perdido o beiço.

Gritávamos e pessoas pulavam pelas janelas.

E ouvi o Januário se desculpando: “Discupa. Ritiro o que dissi.”.

Silêncio.

 

E Zé o desculpou: “Só vou te perdoá, purque tu é meu irmão.”.

 

Bsal

 

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